quarta-feira, 28 de maio de 2014

O que você precisa saber antes de morar em mim

(Fellipo Rocha)

 Se os meus olhos são as janelas da minha alma, minha boca é a porta e, o beijo que acabo de te dar – a chave. Peço que repare na bagunça e pense, pense muito bem antes de entrar. A casa é pequena, mas comporta muitas coisas. Os cômodos do meu coração estão abarrotados de tentativas, repletos de receios, e guardam pilhas intermináveis das minhas mais vulneráveis expectativas.
 Agora me responda: Tem certeza que quer entrar? Se a resposta for positiva, peço que entre com calma. Na sala do meu coração você encontrará centenas de filmes, que me fizeram rir e chorar – no abrigo de outros braços. Músicas que embalaram altos e baixos – com outros amores. Muitas fotos de viagens que fiz e coisas que quis, mas que hoje não passam de antigos e distantes rumores.
 Na cozinha você sentirá o cheiro de muitos jantares. Temperos que eu costumava adorar e hoje já não posso suportar. Velas apagadas pela ação implacável do tempo. Talheres que alimentaram outras bocas e taças que embriagaram outros corpos.
 Meu banheiro exala o cheiro de tantos perfumes, sabonetes e loções – quanto de decepções. Fios de cabelos distintos entopem o ralo do esgoto, enquanto escovas de dente diversas ocupam o chão. A água do meu chuveiro já lavou outros suores e o espelho sobre a pia já refletiu dias melhores.
 O quarto do meu coração é o cômodo mais bagunçado, guarda tantas lembranças boas – quanto amores dilacerados. Nele você encontrará todo o prazer que dei e recebi. Todas as lágrimas que derramei e todas as alegrias que senti. Vários livros de cabeceira. Roupas por todos os lados. Noites em que fui feliz, e outras em que desejei dormir e nunca mais ter acordado.
 Agora preciso que me diga: Tem certeza que quer continuar? Sim? Então caminhe até o quintal. Lá você verá quem fui e quem sou. Os espinhos que colhi, quando flores plantei e os fracassos que colhi – quando esperanças semeei. Mas verá também um pedaço de terra fértil, que resistiu bravamente e, anda precisando – urgentemente – de água, adubo, calor e amor.
 Agora me responda com toda a sinceridade que reside em ti: Deseja assumir a responsabilidade de revitalizar a minha horta? Quer me ajudar a varrer o chão, lavar os pratos e pintar as paredes? Está disponível para me auxiliar na troca dos móveis e com a nova decoração? Carregará comigo todo o lixo para fora? Quer – do fundo do seu coração – habitar o meu?
 Sim? Perfeito, cuide bem de tudo – a casa agora também é sua.

2 comentários:

  1. Suas palavras não são para simplesmente serem lidas. Elas são sentidas. Entram por meus ouvidos e acalmam, alegram ou entristecem meu coração, vai depender do que vc estava sentindo no momento da escrita. Mas com maestria vc conduz esses sentimentos para meu coração e provoca um certo ciúme em minha boca, que queria dizer tudo que vc fez meus ouvidos escutarem.

    Por isso te pergunto. Assim como um cantor que além de cantar suas músicas acaba por atender a pedidos dos seus fãs eu gostaria de te mandar o guardanapo com alguns dizeres: "Estou triste. Consciente de um erro e frágil demais para pedir e aceitar perdão. O que teria seu coração a dizer para acalentar o meu? Seria possível encomendar um poema?"

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    1. Carlina, meu bem... meu blog ficou desativado por um (longo) tempo e somente agora, após 2 anos, consegui atualizar e ver o que me escreveu. De fato, fico imensamente feliz. Sobre o que disse, estou retornando à escrita e, se puder, mesmo que bastante atrasada, faço o poema que me pediu. Espero abrandar seu coração novamente. Espero também que seja leitora cativa novamente. Beijo.

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